Oito notas sobre o dilema do PSOL – Por Valerio Arcary

A questão não se resume a ter, ou não, uma candidatura única. Derrotar a extrema direita é a prioridade.

Foto: Ricardo Stuckert
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1 – Abriu-se um debate que tem como eixo, depois que Lula recuperou os direitos políticos, a necessidade de o PSOL deixar claro que apresentará uma candidatura própria em 2022. Nessa chave de análise, o maior problema da esquerda radical é não ceder à pressão por uma candidatura unificada de esquerda. Não virar um “puxadinho” do PT. Estão errados. O maior desafio tático do PSOL é ser um instrumento de luta para derrotar Bolsonaro, também, nas eleições. E o PSOL não pode ser um obstáculo para que uma candidatura de esquerda chegue ao 2° turno. Mesmo com a possibilidade de Lula ser candidato, isso está e permanecerá em disputa até 2022. Não está garantido. Portanto, diante do possível perigo de um 2° mandato Bolsonaro, não está descartado, ao contrário, merece ser examinado com seriedade um apoio a Lula, desde o 1° turno. Nunca poderá ser incondicional e acrítico, mas é uma possibilidade. Devemos, neste momento, discutir quais as propostas do PSOL para um governo de esquerda. A hora é de luta por um programa. Uma decisão de candidatura pode ficar para mais tarde.

2 – A hora é de urgência, mas pede resiliência, determinação e paciência. Claro que tudo tem limites. Mas a autocontenção pode ser cultivada, se tivermos clareza estratégica. A luta política tem os seus tempos. Estratégia não é o mesmo que programa. E tática não é o mesmo que estratégia. Um programa é uma visão de mundo, de Brasil e como transformá-los. A elaboração de um programa responde a uma perspectiva histórica. Programas são pensados em um grau de abstração elevado. Não são somente generalidades que podem permanecer intactas por décadas. Devem ser atualizados em função das transformações mais estruturais da sociedade. Mas não se mudam programas como se trocam as táticas. Existiram correntes de esquerda movimentistas com grandes intuições táticas, mas sem programa. Outras com instigantes discussões de programa, mas sem interesse pela estratégia. Outras que abraçam estratégias permanentes que desprezam as táticas. Nada disso termina bem. Nunca. Firmeza programática, lucidez estratégica e flexibilidade tática são o melhor da herança marxista.

3 – Uma estratégia é um projeto que se define em função da situação política, ou seja, em função da relação social de forças, em termos leninistas. Em uma situação reacionária, portanto defensiva, em função do que é o maior perigo. No Brasil de 2021 nada é mais importante do que derrotar Bolsonaro. Essa é a estratégia. Evidentemente, para marxistas, a estratégia histórica é a luta pelo socialismo. Mas não há caminho para acelerar as condições de luta pelo socialismo, no Brasil de 2021, que não passe pela derrota do governo de extrema direita liderado por uma corrente neofascista. Nada é mais importante que derrotar Bolsonaro, quando o Brasil se transforma no epicentro da pandemia, e o desemprego, a inflação dos alimentos, e a suspensão do auxílio emergencial incendeiam a maior crise social da história. Nada.

4 – É verdade que um partido que não luta pelo seu programa não merece existir. Em um grau de abstração alto, a construção de um partido é, também, uma estratégia. Mas a autoconstrução deve estar subordinada à estratégia. Ter sempre uma candidatura à Presidência não é uma estratégia. Tática eleitoral é somente uma tática importante, mas não mais do que isso. Depende das circunstâncias. Com um ano e meio de antecedência é impossível saber quais serão as condições concretas da disputa. Por isso, porque não sabemos, não é possível ainda definir qual será a melhor tática em 2022. Quem pensa saber qual será a situação em março de 2022, se engana. Se o desgaste de Bolsonaro continuar aumentando, mas não conseguirmos derrubá-lo antes de 2022, o centro da tática política deverá ser a luta para impedir que chegue ao 2° turno. Se Bolsonaro conseguir se recuperar antes de 2022, e for provável sua presença no 2° turno, o centro da tática deverá ser garantir uma candidatura de esquerda no 2° turno, na disputa com a provável Frente de centro-direita liberal, seja Doria ou outro. Mas essas são premissas ainda indefinidas da tática política, não uma posição sobre a tática eleitoral.   

5 – A tática da Frente Única de Esquerda é a única que passou a prova da história na luta contra governos de extrema direita. Unidade de ação pontual com setores liberais em defesa de liberdades ameaçadas é útil, mas somente como tática auxiliar. Política não é aritmética. Um mais um não é sempre dois. Mais, às vezes, é menos. Por quê? O denominador comum de uma Frente Ampla da oposição de esquerda e da oposição burguesa, mesmo que na versão com Ciro Gomes, é a posição mais recuada dentro da Frente. Ela restringe o programa à luta em defesa da democracia, e generalidades como responsabilidade fiscal e compaixão social. O dogma da Frente Ampla é que primeiro se luta pela democracia. O problema é que as massas populares não vão se mover nas ruas, apaixonadamente, contra Bolsonaro e os neofascistas somente pela democracia. Os trabalhadores e o povo querem mais. Merecem muito mais.

6 – A base social da tática da Frente Ampla é a classe média. Setores das camadas médias podem responder ao apelo democrático, podem bater panelas nas janelas, mas não são uma força social suficiente para derrotar Bolsonaro. Sem o impulso a “quente” dos trabalhadores, a juventude e os desempregados, sem o movimento feminista e negro, sem as camadas populares nas ruas, o governo Bolsonaro não cai. Nem teremos, tampouco, perspectiva de derrotá-los “a frio” nas eleições, se não couparmos as ruas, quando as condições sanitárias permitirem. Porque estes governos, enquanto tiverem força social e política, não respeitam nada, nem a institucionalidade do regime democrático-eleitoral, Congresso ou tribunais, nem eleições, nada. Têm que ser derrubados. Podem até perder eleições. Mas a corrente neofascista sobrevive a derrotas eleitorais. Partidos eleitorais de aluguel morrem fora do governo. Dependem da gestão do Estado para existir. Os neofascistas, não. Quando saem da marginalidade e conquistam implantação, o seu núcleo duro responde ao desespero social de setores burgueses e das camadas médias. Só são derrotados se houver mobilização de massas. Estamos acumulando, pacientemente, forças para elas, punhos fechados, mas as mãos nos bolsos. Mas nossa hora virá.

7 – Construir condições para a mobilização de massas contras os neofascistas só é possível com uma Frente Única de esquerda. Por quê? Porque as amplas massas só saem à luta quando acreditam que é possível vencer. Porque os trabalhadores e a juventude, as mulheres e os desempregados, os negros e os LGBTI’s, enfim, as massas populares só ganham confiança para lutar para derrubar um governo tão perigoso como Bolsonaro: (a) se percebem que a confusão na classe dominante é grande, que os inimigos estão divididos, semiparalisados, inseguros; (b) se percebem uma crescente inquietação nas camadas médias, e deslocamento para a oposição entre a intelectualidade e artistas, etc; (c) se percebem que as organizações que as representam, de alguma maneira, estão unidas; (d) se percebem que lideranças que elas reconhecem estão unidas; (e) por último, mas não menos importante, se perceberem que suas reivindicações concretas de luta pela sobrevivência são colocadas na primeira linha e respeitadas.

8 – Seja qual for a tática eleitoral, o PSOL deve garantir a preservação da legalidade, mas, em primeiro lugar, precisa ser um instrumento de luta útil às massas populares. Somos úteis porque somos radicais. Se estabelecermos um diálogo honesto com a maioria da classe trabalhadora, como foi feito nas eleições para a Prefeitura de São Paulo e outras, não será difícil superar a cláusula de barreira, seja qual for a tática eleitoral. Lançar candidatura própria foi incontornável, necessário e correto durante os anos de governo do PT, mas não pode ser uma estratégia permanente. O que deve ser permanente é a defesa da independência de classe, e de um programa de reformas estruturais com medidas anticapitalistas. Radical é o capitalismo brasileiro. Radical é a morte diante da peste porque não há vacinas. Radical é a fome que castiga dezenas de milhões. Radical é o racismo, a homofobia, o desemprego, a ausência de saneamento básico, o flagelo de centenas de milhares de mulheres que arriscam a vida em abortos clandestinos, as queimadas na Amazônia. O PSOL pode se afirmar, mesmo sem ter candidato no primeiro turno, desde que seja firme na defesa de um programa.

*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.