Quem há de vigiar os próprios vigilantes com suas ambições e vacinas?, por Cleber Lourenço

Hoje a atuação do MP é baseada em fustigar a Constituição e as leis e fazem a mesma coisa que o ministro Barroso faz no Supremo Tribunal Federal: a insistência em se colocarem como agentes de modificação social, fazendo escolhas, ponderando a todo momento, quando na verdade sua atuação deveria estar ligada ao cumprimento das leis.

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A frase que dá o tom da coluna de hoje é do poeta romano Juvenal, escrita no poema “As Sátiras”. No contexto do poema, a frase se refere à impossibilidade de forçar moral sobre as mulheres quando os próprios agentes são corrompíveis.

E assim, mais uma vez, temos no centro da polêmica o Ministério Público, mais precisamente o MPSP, promotor da desordem institucional que o país vive. Isso quer dizer que as instituições não funcionam? Nem de longe. Mas sim, virou corriqueiro desrespeitar ritos, processos e hierarquias.

Um grupo de promotores e procuradores do MPSP escreveu um abaixo-assinado encaminhado para o gabinete de crise contra a pandemia do governo do Estado de São Paulo solicitando que todos os membros da insituição recebam a vacina contra a Covid-19 antes da população em geral.

Mais estapafúrdio que o pedido, foi a justificativa:

"Não é uma questão de egoísmo em relação a outras carreiras, mas tendo em vista notadamente os colegas do primeiro grau, que trabalham com audiências, atendimento ao público e outras atividades em que o contato social é extremamente grande e faz parte do nosso dia a dia".

Antes da pandemia, o Ministério Público já permitia o famigerado home office, algo que ficou evidente na série de reportagens da Vaza Jato e o uso frequente por procuradores de Curitiba. Em São Paulo não é diferente. Mesmo assim pedem prioridade na vacina pelo "contato social"

Por qual motivo não passamos na frente outras categorias como motoristas de ônibus, profissionais da saúde, trabalhadores do comércio e das zeladorias municipais além de profissionais da construção civil?

Na mesma semana o MP comprou 400 celulares com tecnologia de ponta avaliados em R$ 2,2 milhões para promotores e procuradores de MT, em um país que vive à beira do colapso da segurança alimentar, com o fim do auxílio emergencial que hoje é de R$ 300.

Ilustra bem o Brasil do novo milênio e seu Ministério Público desvairado que exige direitos e também a mínima noção dos seus deveres. Alerto: um poder sem responsabilidade é incompatível com a democracia.

Em julho desse ano eu escrevi a coluna: “Quando o MP fará o seu trabalho?”onde disse:

 Infelizmente a busca por holofotes e audiência de procuradores afastou o MP da realidade e criou anomalias, como os procuradores-celebridades que fazem coletivas de imprensa espetaculosas e promovem ataques e militância velados nas redes sociais"

Recorro mais uma vez para a Constituição! O Art. 129, II diz que é função do Ministério Público “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia”.

O zelo pelos direitos constitucionais da sociedade se tornou uma exceção e zelar pelo efetivo respeito dos Poderes também.

Nesse segundo ponto, coloco o judiciário no balaio. Não é raro juízes de instâncias inferiores desrespeitarem ou peitarem tribunais superiores com a desfaçatez de quem diz “bom dia”.

Hoje a atuação do MP é baseada em fustigar a Constituição e as leis e fazem a mesma coisa que o ministro Barroso faz no Supremo Tribunal Federal: a insistência em se colocarem como agentes de modificação social, fazendo escolhas, ponderando a todo momento, quando em verdade sua atuação deveria estar ligada ao cumprimento da lei e da Constituição - nos dois casos.

Além disso, nossos paladinos da moralidade buscam de forma incessante se focarem em questões ao gosto popular, esquecendo sua função primordial. Onde há holofotes, lá está um membro do Ministério Público, não raro, levando a acusações, prisões e sentenças infundadas, enquanto em casos graves de menor visibilidade restam completamente esquecidos (falei sobre isso com mais detalhes nessa coluna aqui).

Hoje não só o MP, como também o MPF, atuam pautados em escolhas, quando tudo deveria estar adstrito exclusivamente aos termos da lei, vide as 10 medidas contra a corrupção, vide a inconstitucional prisão em segunda instância.

Enquanto não responsabilizarmos os membros do MP e do Poder Judiciário pelos eventuais excessos e abusos, ficaremos com o que o professor de Direito Constitucional da UFSC, Cláudio Ladeira, chamou de: “Princípio Xuxa de Interpretação Constitucional" - tudo pode ser, basta acreditar". E que hoje contamina inclusive o Congresso Nacional e se tornou corriqueiro em debates Constitucionais ou penais.