Raul Seixas, sempre atual: O Brasil pandêmico em “Eu sou egoísta” – Por Raphael Fagundes

Enquanto todos estão preocupados com a doença e a morte, Bolsonaro trata o vírus como uma gripezinha e em alguns casos se mostra como “o machão".

Bloco: Maluco Beleza (Divulgação)
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Numa entrevista concedida à rádio CBN, Pedro Bial, fã de Raul Seixas, disse que o roqueiro dos anos 70 profetizou o momento pelo qual estamos passando através da canção “O dia em que a Terra parou".

Na música o poeta diz: “Foi assim: no dia em que todas as pessoas do universo resolveram que ninguém ia sair de casa...” Mas, infelizmente, no Brasil pandêmico, mesmo com as diversas recomendações científicas, muitos saíram de casa, políticos preferiram não adotar o lockdown, enfim, dando espaço para aglomerações voluntárias e levianas. Muitas pessoas forjaram justificativas pueris, porém úteis para desencargo de consciência. É assim que age o egoísta.

Por isso, tenho uma opinião adversa da do famigerado jornalista e apresentador. Acredito que a canção de Raul Seixas que descreve com maior precisão a situação atual seja “Eu sou egoísta”.

Ela conta a história de uma pessoa que não se importa com os problemas dos outros, fazendo justamente o oposto dos alheios. “Se você acha que tem pouca sorte/ Se lhe preocupa a doença ou a morte/ Se você sente receio do inferno/ Do fogo eterno, de deus, do mal/ Eu sou estrela no abismo do espaço/ O que eu quero é o que eu penso e o que eu faço/ Onde eu tô não há bicho-papão”.

Esta passagem lembra claramente a maneira como Bolsonaro trata a pandemia de Covid-19. Enquanto todos estão preocupados com a doença e a morte, ele trata o vírus como uma gripezinha, em alguns casos se mostra como “machão", afirmando que os que têm receio da morte pelo coronavírus são um bando de maricas. O presidente trata o vírus como uma ilusão, um bicho-papão.

Quando o roqueiro baiano diz “O que eu como a prato pleno/ Bem pode ser o seu veneno”, nos faz pensar nas atitudes de Bolsonaro, que brinca, vai à praia, lanchonetes, tudo em meio à pandemia. Essas ações são justamente o que disseminam o vírus. O que ele faz com prazer, é nocivo para a população.

Bolsonaro nos lembra o personagem fictício criado por Raul Seixas, em uma lógica que o filósofo esloveno Slavoj Zizek salientou sobre o slogan de um filme que o marcou no período em que estava escrevendo sua obra-prima, A visão em paralaxe: “É tão real que só pode ser ficção”.[1]

Mas nos últimos versos, o compositor destaca um elemento muito importante que caracteriza o seu personagem: “Se você acha que o que eu digo é fascista/ mista, simplista ou antissocialista/ Eu admito você tá na pista/ Eu sou egoísta”.

O egoísmo é uma das características do nazismo, assim como do capitalismo. Isso é necessário, já que a solidariedade e o espírito de camaradagem é uma das ideologias mais fortes no modelo econômico e social que se opõe radicalmente à dominação burguesa: o socialismo.

O historiador alemão Jean Gaudefroy-Demombynes afirma que Nietzsche, na solidão do retorno à natureza de Zaratustra, serviu de inspiração para o hitlerismo.

“Nietzsche? Sim, o grande profeta moderno da natureza – Virtude indispensável para quem quer subir montanhas. Nada de piedade! A vida é o triunfo do mais forte – teoria darwiniana que conduz ao princípio famoso: a força sobre o direito. – Esta é uma das teorias familiares de Nietzsche e de Hitler”.

De acordo com o historiador alemão, Hitler buscava aliciar as massas, “criar na gente uma moral para uso particular e impor a todos o seu egoísmo!”[2]

O egoísmo é fascista. Se não podemos dizer que Bolsonaro é fascista, temos indícios de estreitas relações de homens do seu governo com movimentos fascistas e supremacistas. O fato de o presidente não se importar, por um longo tempo, com a vacina, provocar aglomerações e ser contrário ao uso de máscaras, revela seu caráter egoísta, o qual quer impor a todos.

Portanto, estamos convivendo com o egoísmo fascista que se difunde entre os apoiadores de Bolsonaro e com o “cálculo egoísta” da burguesia que transformou tudo em mercadoria, “fez da dignidade pessoal simples valor de troca", como explicam Marx e Engels no Manifesto Comunista.

Empresários fazem protestos contra medidas restritivas, eleitores de Bolsonaro (pelo menos a classe média que tem condições de fazer o isolamento) colocam-se contrários a tais medidas porque seguem cegamente o que o mestre mandou. Somam-se os egoístas a imagem do líder. Enquanto isso, o vírus circula ampliando o número de vítimas.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.


[1] Zizek, Slavoj. A visão em paralaxe. São Paulo, Boitempo, 2011, p. 49.

[2] https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2316-82422016000200127