Um jacobino às avessas: como as elites usam Bolsonaro para (i)mobilizar as massas

Raphael Fagundes: “Pelo menos até a consolidação da reforma da Previdência e das privatizações, a burguesia usará Bolsonaro como mito, capaz de convocar parte da massa para atender aos interesses do capital”

Bolsonaro e Sérgio Moro (Foto: Divulgação/MJSP)Créditos: Presidência da República
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“Os períodos em que se investe o capital são, na realidade, muito distintos e discrepantes. Porém, a crise constitui sempre o ponto de partida de um novo grande investimento”. Essas palavras de Marx que descrevem aspectos do ciclo de rotação do capital são úteis para entendermos as soluções que o sistema capitalista dá para resolver as crises inevitáveis de seu ciclo. A crise do petróleo que acometeu a Petrobras foi acompanhada de uma articulação burguesa que visava forjar um novo modelo de investimento para o capital brasileiro, ou melhor, para torná-lo mais entreguista que nunca. Inscreva-se no nosso Canal do YouTube, ative o sininho e passe a assistir ao nosso conteúdo exclusivo. As elites econômicas precisavam da crise para radicalizar o modelo neoliberal, introduzi-lo à força, por meio do choque, maneira mais adequada para a sua implantação, como explica Naomi Klein. Para tanto, foi necessário corromper os poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo) para conduzir uma lógica de desestruturação da esquerda. Isso porque as esquerdas propõem um modelo de investimento alternativo, o qual as elites financeiras não aceitaram desde 2015 quando Dilma assumiu o seu segundo mandato. Um modelo que não condena os investimentos públicos não agradava a burguesia, que enxergou nessa crise do capital uma oportunidade de ampliar os seus investimentos, exatamente à maneira que Marx explica no Livro II do “O Capital”. Todo esse esquema só foi possível com a manipulação midiática, que agiu como porta-voz dos interesses capitalistas, construindo uma imagem demoníaca da esquerda e endeusando Sérgio Moro, peça-chave nesse processo. Os quatro poderes juntos agindo para esconder a força mais poderosa que orquestra todo o teatro: os financistas. Os financistas conseguiram agir diretamente no Judiciário. Nos áudios divulgados pelo The Intercept, vemos as interferências de Moro em todo o processo para prender Lula, enquanto prezava o apoio de políticos do PSDB, como o seu principal líder, FHC, e com o não encarceramento de políticos importantes, como Aécio Neves, Alckmin etc. Nada disso é fascismo. Chamar de fascismo é não entender como o capital funciona. Este é algo à parte do Estado. O capital não se importa com um planejamento social, ele se amplia por sua própria natureza expansiva. Se algo o atrapalha, ele irá destruir sem pensar duas vezes. O Estado acaba se submetendo ao capital, caso contrário irá se destruir como qualquer outra coisa que ouse entrar em seu caminho. Isso se dá porque um investidor sempre visa ter no fim do ano mais do que investiu. Ou seja, ele precisa colocar no mercado mais do que aquilo que subtraiu. Se, por exemplo, em um ano um investidor precisou de uma árvore para produzir uma mercadoria que extrai um lucro de 1000 reais, no ano seguinte ele precisará de duas árvores para lucrar 2000 (lembrando que o lucro vem da mais-valia, pois o gasto com árvores duplica, mas o salário do trabalhador, não). Se o capital não se expandir significa que ele está em crise. Exatamente como o PIB de um país, que deve ser sempre maior que no ano anterior. Ele precisa impedir tudo que prejudica essa expansão. Política de austeridade, fome, desemprego, são formas usadas para fazer com que o capital continue a sua expansão. Nem sempre é o consumo que fomenta a economia capitalista, mas a depreciação cambial, o valor da moeda, a quantidade de mercadoria que circula, inflação etc. Tudo isso gera uma proporção no lucro. O investidor não quer saber se haverá desmatamento, poluição, aquecimento global. Ele quer fechar a conta no fim do ciclo, ou melhor, da rotação. Fechar a conta significa colocar em circulação muito mais do que se tirou. A mídia não tem condições de ser contrária a essa lógica, porque ela também é uma grande investidora. Os políticos são lacaios, além disso, muitos deles são também empresários. Aliás, o Estado-empresário virou moda no Ocidente. O Judiciário, por sua vez, é facilmente corrompido pelo capital, como estamos vendo no processo de Lula. Nenhuma prova é capaz de provar a inocência do que fere o mecanismo macabro do capital. O governo perfeito para isso tudo foi o governo Temer que, em tese, teria a função de servir como transição. Mas Bolsonaro intensificou o conflito no país. A elite, então, está tentando usá-lo como um jacobino, um radical, que tem como objetivo eliminar os elementos “esquerdistas” do governo, como o presidente do BNDES, dos Correios etc. Além disso, atua no quarto poder com a influência na demissão e pressão a jornalistas que são contrários ao governo. Moro e Bolsonaro ainda têm forças para mobilizar o público. Manifestações são realizadas em nome destes dois líderes conservadores. Bolsonaro seria um jacobino às avessas, já que defende medidas populistas (liberação das armas, relação com os neopentecostais, busca concentrar as terras em vez de distribuí-las etc.) e não populares, mas ainda assim mobiliza parcela do povo e um certo discurso radical. Moro seria o braço jurídico de Bolsonaro que, para seus fiéis, vale mais que o STF. Vai chegar o momento em que a burguesia não precisará mais do radicalismo conservador para mobilizar as massas. A ponto de atrapalhar os seus próprios planos. Estamos pertos desse momento? Acho difícil. Pelo menos até a consolidação da reforma da Previdência e das privatizações, a burguesia usará Bolsonaro como mito, capaz de convocar parte da massa para atender aos interesses do capital.
*Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.