Vai passar... – Por Chico Alencar

A mesma pandemia que ajudou a corroer a imagem de Bolsonaro, por sua política criminosa, traz também algo que o ajuda: por enquanto ela não permite que o povo vá para a rua em grandes manifestações contra ele.

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Decididamente, o presidente Jair Bolsonaro já teve dias mais tranquilos. Uma sucessão de problemas está tirando seu sono – que ele mesmo já disse ser sempre atribulado.

O ciclo de más notícias para ele começou com a decisão do ministro Edson Fachin de anular as condenações de Lula, decisão corroborada ontem (15) pelo pleno do Supremo.

Mais tarde, o manifesto de alguns pesos pesados da economia batendo duro em Bolsonaro mostrou que, dentre o que há de mais expressivo no andar de cima da economia, há gente que começa a pular do barco do capitão. É gente que o apoiou e que aprecia sua política econômica neoliberal.

Veio depois um manifesto reunindo "presidenciáveis" como Ciro Gomes e expoentes do que alguns chamam de "direita civilizada", como Doria, Amoedo, Mandetta e Hulk. Com exceção de Ciro, todos tinham votado no capitão em 2018.

Foram mais defecções no time de Bolsonaro.

Em seguida, o arremedo de reforma ministerial mostrou que, se os altos mandos militares ainda sustentam esse governo, não o fazem de forma incondicional. E mais: não o acompanharão até a cova, nem em aventuras golpistas.

Aliás, é preciso que se diga: no Brasil não há golpe sem o apoio da grande burguesia, nem de Washington – e esse cenário não existe no momento.

A votação do orçamento escancarou outro problema sério. É sabido que Bolsonaro comprou o centrão, maioria congressual sempre disponível para se vender ou se alugar em troca de nomeações para cargos no aparelho de Estado ou de liberação de verbas para obras de seu interesse – eleitoral ou, principalmente, financeiro. Mas, no negócio feito, o presidente ofereceu o que não tinha à mão. Na hora de fechar a proposta orçamentária, as contas não bateram. Agora, ou bem o presidente honra os compromissos assumidos com o centrão, ou bem respeita o teto de gastos como quer seu Posto Ipiranga desabastecido, o pinochetista Paulo Guedes. Se não cumprir o que prometeu ao centrão, sua blindagem no Congresso se enfraquece; se não ouvir Paulo Guedes e pisar no acelerador para gastar, fica vulnerável a acusações que podem dar margem a um impeachment. E uma questão se coloca: até quando poderá confiar na proteção dos fisiológicos? Mesmo de barriga cheia, se o desgaste do governo se acentuar muito, como reagirão os parlamentares do centrão? Eles não pularão de um barco que afunda?

Enquanto isso, o desemprego cresce a níveis inéditos na História do país. E a equipe econômica, na sua insensibilidade social, segura a chave do cofre e briga com unhas e dentes para que a ajuda emergencial seja irrisória.

Isso num momento em que até os Estados Unidos – modelo para a nossa burguesia – fazem gastos vultosos para enfrentamento da crise com um menor custo social.

Para complicar, a condução criminosa dada ao enfrentamento da pandemia vai isolando mais e mais o governo. Hoje, a classificação de Bolsonaro como "genocida" já não choca mais ninguém. E as pesquisas mostram, dia após dia, um crescimento de seu desgaste.

A instauração da CPI da Pandemia no Senado é outra péssima notícia para Bolsonaro. Inevitavelmente ela vai trazer o foco das atenções para os crimes do governo no enfrentamento do problema. E a anunciada escolha do senador Renan Calheiros para relator – uma velha raposa que anda piscando o olho para a oposição – não é prenúncio de tranquilidade para o presidente da República.  

No exterior, a derrota de Donald Trump já tinha sido um duro golpe para o capitão presidente, que perdeu uma cobertura importante. O Brasil hoje é alvo de chacota e exemplo de comportamento irresponsável e criminoso no enfrentamento da pandemia, sendo até apontado como um perigo para as demais nações.

É verdade que Bolsonaro ainda tem o apoio de cerca de um quarto do eleitorado. É significativo. Mais importante, porém, do que o percentual frio e isolado é ver como as coisas se movimentam. Já temos quase 400 mil mortos e, cada vez mais, essa tragédia que não tem um fim à vista, vai sendo percebida como de responsabilidade de Bolsonaro.

Nesse quadro, a decisão do STF de ontem, confirmando que Lula pode estar de volta ao jogo político e eleitoral, é outra péssima notícia para Bolsonaro.

Isso significa que o presidente está condenado a cair antes de outubro de 2022? Não. Seria precipitada tal afirmação. Mas pode ser dito, sem medo de erro, que sua situação é muito difícil e que tende a piorar. É natural que haja articulações e debates sobre nomes para a eleição presidencial, mas duas coisas devem ser ditas.

Primeiro: essa discussão não pode se sobrepor ao debate programático. É preciso se ter claro que 2022 não deve atropelar 2021.

Segundo: às forças democráticas e de esquerda cabe concentrar esforços na oposição a Bolsonaro, responsabilizando-o pela situação catastrófica que vive o país e insistindo em três pontos: a intensificação da vacinação; o combate a aglomerações, como condição para conter a pandemia; e a defesa de um auxílio emergencial de R$ 600, sem o qual os mais pobres não terão como cumprir o isolamento físico.

A mesma pandemia que ajudou a corroer a imagem de Bolsonaro, devido à política criminosa que adotou, traz também algo que o ajuda: por enquanto ela não permite que o povo vá para a rua em grandes manifestações contra ele.

Mas isso vai passar.

E, aí, vai passar também "nessa avenida um samba popular", como cantaram Francis Hime e Chico Buarque.

Quem viver, verá.

**Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião da Revista Fórum.

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