VACINAS

Brasil não está pronto para uma nova pandemia, alerta Oxfam

Entidade aponta que o país precisa de mais investimento em ciência e tecnologia, além de intensificar a cooperação internacional nesse sentido, sobretudo com países da América Latina

Criança é vacinada em Jaboatão dos Guararapes (PE).Créditos: Chico Bezerra/Prefeitura Municipal do Jaboatão dos Guararapes
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“O Brasil não está pronto para uma nova pandemia”, diz a conclusão de nota técnica do estudo “Capacidade de Produção de Vacinas no Brasil” publicado pela Oxfam na última quarta-feira (25). A razão é simples: mesmo após o país passar por uma pandemia que deixou cerca de 700 mil mortos o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS) – composto por indústrias, órgãos reguladores e prestadores de serviços – ainda carece de investimentos.

A entidade aponta que o setor responsável pela produção de vacinas está atuando no limite, uma vez que cerca de 90% da matéria-prima para a produção de vacinas e medicamentos é importada.

Comparativamente, enquanto os Estados Unidos avançaram no seu plano de recuperação do sistema de saúde, criando a agência Arpa-H para coordenar os esforços de pesquisa no setor, com a proposta de um orçamento de US$ 2,5 bilhões; no Brasil, as empresas e associações nacionais reclamam de regulamentações imprecisas, dificuldades de financiamento e burocracia

Ouvida pelo estudo, a Abiquifi (Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos) afirma ter enviado aos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia um levantamento das 50 moléculas estratégicas para produção nacional. Segundo o texto, “desse levantamento, o Brasil produz apenas 7 moléculas - embora a patente de alguns produtos já tenha caducado, não há investimento devido ao baixo retorno”.

Antônio Bezerra, presidente executivo Abifina (Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades), também foi ouvido pelo estudo e afirmou que o setor de antibióticos, por exemplo, precisará sair da estaca zero no país.

Além disso, a pesquisa ainda ressalta que o Brasil, ao lado de México e Argentina, é um dos únicos países da América Latina a produzir vacinas e que mesmo tendo a maior indústria do continente ainda não é autossuficiente. Enquanto a China tem mais de mil fábricas que produzem IFA, um insumo essencial para a produção de vacinas contra a Covid-19, o Brasil tem apenas 15. E só duas instituições, a Fiocruz e o Butantã, produzem vacinas.

“Apesar desse quadro, a saúde mobiliza 10% do PIB brasileiro, o que representa 1/3 do esforço científico e de pesquisa, além de gerar 9 milhões de empregos. Entre as instituições de ponta, o Brasil conta com o Instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz, e o Instituto Butantan, em São Paulo, que é o décimo maior produtor de vacinas no mundo”, pondera o estudo.

Nesse contexto, a Oxfam apresenta basicamente duas recomendações para para uma melhoria desse quadro. A primeira aponta que o Brasil precisa de mais investimento em ciência e tecnologia nacional. Em segundo lugar precisa intensificar a cooperação internacional nesse sentido, sobretudo com países da América Latina.

“Os desafios estruturais e doenças que afetam a região não são de interesse para laboratórios de países no Norte global, por exemplo, os casos da doença de chagas, a dengue, a malária e a tuberculose. Os países da região também têm o objetivo comum de defender coletivamente os recursos ambientais e a biodiversidade local”, diz trecho da conclusão do estudo.

Em abril deste ano, o Governo Lula divulgou a retomada de investimentos na produção de vacinas por meio do Grupo Executivo do Complexo Econômico-Industrial da Saúde (GECEIS). O grupo tem a meta de acelerar a produção brasileira num ritmo em que 70% da demanda nacional seja atendida por fornecedores domésticos em até 10 anos.

De acordo com a Oxfam, tal iniciativa deve considerar o futuro próximo, e não apenas o déficit atual, na hora de ampliar os investimentos. Segundo a nota técnica, o Brasil vive o risco de novos surtos de covid-19, principalmente devido à diminuição na busca por doses de reforço contra a doença. Além disso, o SUS enfrenta o grande desafio de lidar com o envelhecimento populacional e os impactos das mudanças climáticas.

Dificuldades do SUS após a pandemia

A pesquisa aponta que passada a pandemia de Covid-19, que deixou cerca de 700 mil mortos no país, o Sistema Único de Saúde (SUS) ainda encontra dificuldades para atender uma fila de meio milhão de pessoas que aguardam procedimentos eletivos.

Em paralelo a isso, o estudo aponta para o fenômeno da ‘Covid Longa’, ou seja, a ocorrência de sintomas persistentes de Covid-19 em pacientes após a recuperação inicial da doença. Essa é uma nova preocupação de médicos, enfermeiros e demais servidores do SUS.

OMS também alerta

A constatação da nota técnica da Oxfam, ainda que preocupante, não é exatamente uma novidade. O ineditismo fica por conta do detalahamento da situação brasileira. Mas as condições gerais e globais dos sistemas de saúde mundo afora após a pandemia já foram alertadas pela Organização Mundial da Saúde em maio passado.

Na ocasião da 76ª Assembleia Mundial da Saúde, realizada em Genebra, Tedros Adhanom já alertava aos 194 países presentes que a humanidade vive a possibilidade de enfrentar uma nova pandemia e que os Estados precisam investir em Saúde para não “deixar as coisas ao acaso”.

“A Covid-19 continua entre nós e continua matando, evoluindo e requerendo a nossa atenção. Também corremos o risco de uma nova pandemia bater à porta. Se não fizermos as mudanças necessárias, quem o fará? Se não fizermos agora, quando faremos? As negociações em curso sobre a prevenção, o estado de preparação e a resposta face às pandemias devem resultar numa estratégia multilateral sólida que salve vidas”, declarou.

Leia a íntegra do estudo