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Análise de ex-oficial norte-americano traz em voga novamente a narrativa de transformação política e econômica no Iraque, não mais relacionada ao aspecto sectário ou insurgente, mas sobre má gestão pública. Entretanto, tal argumentação não vem isolada de intencionalidade. O ex-oficial dos EUA, Douglas Ollivant é sócio de consultoria que atua em Bagdá, capital iraquiana, há 15 anos beneficiando-se do processo de liberalização econômica, posto em prática no país desde a ocupação em 2003.
Por Rodrigo Amaral, pesquisador do Grupo de Estudos sobre Relações Internacionais (GECI) e do Observatório de Relações Internacionais (ORI) da PUCSP
O que esperar de uma análise sobre a atual situação política iraquiana, vinda de um ex-oficial norte-americano que serviu na Guerra do Iraque?
A resposta é certa. Esperaríamos que ele indicaria que as razões da atual crise iraquiana é resultado do sectarismo característico do país – dividido em projetos de poder sunitas versus xiitas, de quebra com algum projeto paralelo para os curdos iraquianos no norte. Provavelmente, também esperaríamos que o argumento viria acompanhado de uma culpabilização do Irã que inevitavelmente estaria fomentando o sectarismo através do financiamento dos grupos xiitas locais (maioria iraquiana) e provocando, consequentemente, insurgência e conflitos étnicos. Esse argumento sobre o sectarismo, divisões internas e a ameaça iraniana como elementos que levam o Iraque a crise, é quase consagrado em diversos textos de política e segurança internacional sobre o país desde 1980, contexto da Guerra Irã-Iraque, e sempre é retomado.
Entretanto, não foi o caso de Douglas A. Ollivant. Em recente análise, o ex-militar dos EUA que serviu na Guerra do Iraque e foi diretor do Conselho de Segurança Nacional, na subdivisão que tratava dos assuntos sobre Iraque, no governo George W. Bush e Barack Obama, afirmou que “A ocupação americana no Iraque (...) deixou profundos problemas estruturais para o governo do Iraque e expôs sua economia política” que já estava enfraquecida. O argumento de Ollivant era o inverso, para ele o problema do Iraque é de gestão pública e “o sectarismo (exceto com o Estado Islâmico e os demais Baathistas) está praticamente morto”.
Diante de um cenário em que milhares de iraquianos foram às ruas no mês de outubro, clamando por mudanças no país. Ollivant ressaltou que “o estado iraquiano está compreensivelmente aterrorizado e as pessoas assustadas tomam más decisões. Esperava-se que esse fraco arranjo político (impulsionado pelo resultado eleitoral inconclusivo de 2018) pudesse atrapalhar até novas eleições em 2022. Isso não parece mais uma estratégia viável.” Isso por que o temor do atual governo local é a intensificação dos protestos e um possível processo de impeachment do atual presidente Abdul Mahdi.
Curiosamente o ex-oficial americano afirma que “a remoção dos problemas que definiram a ocupação americana do Iraque - sectarismo e insurgência - deixou expostos os profundos problemas estruturais do governo do Iraque e sua economia política. A nova sociedade do Iraque está perguntando por que seu governo não está se recuperando da mesma forma. As demonstrações são uma expressão tangível dessa questão básica.” Uma vez que o sectarismo não aparece mais como uma questão, outros problemas despontam e escancaram a crise política ainda presente no país. Quais seriam esses problemas, segundo o ex-oficial?
Problemas para aparar a folha de pagamento pública; problemas no fornecimento de gás, alimentos e eletricidade; dificuldades para construir grandes projetos de infraestrutura, altos índices de corrupção, etc. Para solucionar esses problemas, o norte-americano aponta para necessidade de variação de contratos de subsídios para gás, alimentos e eletricidade, ou seja, aumentar a quantidade de parceiros internacionais para tanto; necessidade de emprestar dinheiro estrangeiro. Também ressalta a necessidade de liberalizar o clima de negócios para energizar o setor privado e executar as reformas bancárias necessárias para uma economia moderna, permitindo maior acesso estrangeiro aos ativos no Iraque ou, sobretudo, a venda de petróleo e gás do Iraque antes da extração. Mas o fato é que o americano assume que qualquer uma dessas etapas geraria enormes críticas domésticas, e ainda sim se não forem feitas por completo, apenas a combinação de algumas dessas soluções não seriam suficientes para fazer uma diferença real.
O estado atual do país é grave. Para usar uma metáfora apontada pelo próprio Ollivant: “o Iraque precisa consertar o avião, que é seu sistema político, enquanto está em voo”.
Intensificação do argumento neoliberal como solução à crise iraquiana. Mas isso é bom pra quem?
O que faz Douglas A. Ollivant, levantar tal hipótese de intensificação do projeto neoliberal no país? Atualmente ele é membro do think tank liberal New America Foundation e sócio da Mantid International, uma empresa de consultoria com escritórios registrados e presença em Bagdá, Beirute e Washington DC. A empresa fornece serviços de consultoria e assessoria com foco em compliance, inteligência comercial e política, políticas públicas, anticorrupção e planejamento estratégico.