Blog do Rovai: Eleição da Câmara não tem nada a ver com eleição presidencial, mas ajuda

A eleição para presidente em 2022 não tem a mesma métrica desta para a presidência da Câmara, mas ela permite desbloquear relações. Permite criar campos para um diálogo num segundo turno de 22

Baleia Rossi e Rodrigo Maia - Cleia Viana/Câmara dos Deputados
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Ontem o PT decidiu por pequena margem de votos dar apoio à candidatura de Baleia Rossi (MDB-SP) na disputa à presidência da Câmara Federal. O emedebista disputará a eleição contra Arthur Lira (PP-AL), candidato apoiado pelo presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido).

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A eleição é importante para definir a força que o bolsonarismo terá nos próximos dois anos no parlamento, mas não é uma peleja de vida ou morte nem para o governo e nem para a oposição.

Mesmo que Bolsonaro venha a ser derrotado (e isso é algo que deve ser comemorado, sim) não há garantias de que no dia seguinte do pleito, Baleia Rossi já não esteja sendo fotografado com o presidente falando em união pelo Brasil e ao mesmo tempo negociando dois ou três ministérios para o seu partido ou para outros de sua base.

Como também ninguém que conhece dois dedos de história política pode afirmar que Lira é um bolsonarista de quatro costados e que faria qualquer coisa para salvar seu líder de ocasião se algum tsunami acontecesse no país e o presidente passasse a ter seu mandato ameaçado.

Não é assim que a banda toca pelas bandas do Congresso.

O dom do equilibrismo
O presidente da Câmara precisa estar atento ao pulso do parlamento, mas também aos humores das ruas. Se ele não vier a fazer isso, pode perder completamente sua liderança.

Presidentes da Câmara que tiveram sucesso nos seus mandatos, como teve Rodrigo Maia (DEM-RJ), desenvolveram o dom do equilibrista. Aquele que anda sob cordas bambas e carrega bandejas com copos cheio de champanhe.

Os presidentes da Câmara que pensaram governar o Congresso de maneira diferente se deram mal. Severino Cavalcanti foi um deles. Teve um mandato de curta duração porque achou que poderia usar o cargo apenas para fazer política com o baixo clero.

Eduardo Cunha é o maior exemplo de como isso acontece. Foi superpoderoso, mas durou poucos meses depois de liderar o processo do impeachment de Dilma. E agora está preso. Esqueceu-se de que apenas ceder aos encantos das ruas e não dar bola para a liturgia do cargo e para os riscos do que significa rasgar a Constituição não eram coisa para alguém com tamanho rabo de palha como ele.

Um presidente da Câmara tem que ser essencialmente hábil para lidar com os ventos de todos os lados da política. E não pode nem se encantar com o poder que tem, muito menos menosprezá-lo.

Talvez seja o cargo mais político entre os cargos políticos. Não tem a autonomia de um chefe de executivo e precisa lidar com 513 grupos de interesse. Cada deputado manda muito e dá muito mais trabalho ao presidente da Câmara do que um prefeito dá a um governador. O presidente da Câmara precisa saber lidar com todas essas particularidades.

A eleição de 22
Há uma tese sendo desenvolvida por um setor mais à esquerda de que o fato de o PT apoiar Baleia Rossi significa uma redenção ao eixo neoliberal e ao centrão. É preciso enxergar muito além do que a vista nos permite para se fazer uma afirmação dessas.

Eleição da Câmara nunca se confundiu com eleições presidenciais ou municipais. Elas dizem respeito às lógicas do parlamento e à força que o executivo tem ou não de influenciá-lo. Nada mais.

O que ela pode sinalizar é que existe um adversário a ser batido para um campo da política naquele momento conjuntural. E há um sinal claro deste frentão de partidos. Uma boa parte da política quer derrotar Bolsonaro.

Este é um sinal muito mais do que alvissareiro e não poderia ser ignorado pelas lideranças do PT no Congresso. Por este motivo, o partido ter decidido pelo apoio ao candidato desta frente está longe de ser um erro político.

Muito pelo contrário. É um sinal de que ele está no campo político que quer derrotar o presidente. E lhe dá condições de construir, a partir desta sinalização, uma frente de esquerda para disputar o segundo turno, sabendo que pode vir a canalizar num segundo turno o apoio daqueles que não desprezou agora.

Quem tem mais chances de disputar o segundo turno contra Bolsonaro atualmente? Uma candidatura mais à esquerda liderada provavelmente pelo PT ou uma candidatura liberal?

A candidatura progressista leva grande vantagem neste momento.

Será que num eventual segundo turno entre Haddad e Bolsonaro em 2022 Doria apoiaria empolgadamente Bolsonaro de novo? Será que Rodrigo Maia faria o mesmo?

A eleição para presidente em 2022 não tem a mesma métrica desta para a presidência da Câmara, mas ela permite desbloquear relações. Permite criar campos para um diálogo num segundo turno de 22. E permite tornar maior a frente para impedir um presidente que quer se eleger para consolidar seu projeto autoritário.

A não ser que a gente ignore o que significa a ameaça da reeleição de Bolsonaro nossa posição deve ser a de dialogar e buscar diálogo com o centro ou mesmo a centro-direita. Se nossa análise é de que há imensos riscos institucionais na sua permanência por mais seis anos, é melhor começar a achar este acordo com Maia e Baleia Rossi algo tático e limitado ao seu exato locus, a disputa pela presidência da Câmara.