Calvário

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Kelly Reilly e Brendan Gleeson em Calvário

As primeiras linhas de diálogo em Calvário (John Michael McDonagh, 2014), trocadas em uma confissão, pretendem dar à narrativa do filme determinado tom. Pelas primeiras cenas, a tentativa é bem-sucedida, mas não estou certo de que o resto do filme corresponde. Ou, talvez, eu interprete mal suas intenções.

É claro, no entanto, que Calvário, mesmo não contente com o cinismo do mundo moderno, não está interessado em fugir dele na direção do passado, que, na própria construção do enredo, justifica-o. De tanto que os personagens falam, muita coisa é dita contra a Igreja Católica e a instituição militar e em favor de um cristianismo que perdoa — mas também da eventual ineficácia do perdão. No fim de todas as palavras, Calvário não pretende nenhuma mensagem. Apenas paira em reflexões sobre o cinismo à procura de conclusões que reconhece inexistentes.

O diálogo, sempre muito carregado, é o principal recurso narrativo de McDonagh. Depende muito do trabalho dos atores (todos excelentes, com destaque para a sobriedade assustada ainda que madura de Brendan Gleeson no papel principal) e nem sempre funciona. Quando se perde, o filme não leva muito tempo para novamente encontrar o caminho. Normalmente essa é a crítica que tenho para longas-metragens que poderiam ser curtas, este não é uma exceção.

Calvário é principalmente um filme sobre fé. Se o diretor tem alguma nele, acho difícil dizer, mas acredito que sim. McDonagh é um autor curioso, nunca está satisfeito com as próprias palavras, sempre pronto para questionar o que é dito em pompa de verdade, mesmo que parta da boca do bondoso padre de Gleeson — “Fala-se muito sobre os pecados e pouco sobre as virtudes [...] O perdão é a maior delas”, diz o padre, concordo, mas como culpar aquele que foi tão ferido ao ponto de ser incapaz de perdoar? O filme está pronto para se colocar contra a parede de maneira quase acadêmica.

Calvário permite alusões religiosas que o título torna inevitáveis. Do tormento do padre, do suicídio sagrado, do consciente caminho em direção à morte, ainda que com a esperança de que ela não esteja lá, do sentimento de abandono. Tudo isso está no filme, mas ele recusa a usar em sua defesa ou em defesa de qualquer coisa. Deve-se ser muito nobre e maduro para usar metáforas e não arrastá-las a um lugar próprio. McDonagh não nos leciona em nada, apenas joga a primeira linha do diálogo.