Conversas de Janela - Anita Rocha da Silveira

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[caption id="attachment_1174" align="alignleft" width="800"]mate-me-por-favor-3 foto: divulgação[/caption]   Sábado (7/11), passei por uma maratona comum a quem está cobrindo um festival de cinema. Passava das 19h, e eu tinha acabado de sair do terceiro filme (Desencanto, de David Lean, um dos meus preferidos) do dia, no terceiro cinema e no terceiro bairro, e corria para conseguir pegar o ônibus e chegar a tempo para o quarto filme. O objetivo era não perder sequer a primeira cena de Mata-me por Favor (Anita Rocha da Silveira, 2015). A expectativa por essa primeira cena já tinha se tornado uma piada interna entre os amigos, todos animados por como o filme de Silveira da Rocha parecia aludir a um cinema de gênero idolatrado por nossa geração, de filmes como Pânico (Wes Craven, 1996) e, por que não, Meninas Malvadas (Mark Waters, 2004). Eu conhecia a diretora apenas pelo fantástico curta-metragem Os Mortos Vivos, e Mata-me seria uma sessão realmente encantadora. Rocha da Silveira observa o tédio de uma classe com sarcasmo único. Aceitando-se o limite das comparações, sua obra é quase como a de uma Sofia Coppola gore. No dia seguinte, conversamos um pouco enquanto esperávamos a sessão do clássico Inverno de Sangue em Veneza (Nicolas Roeg, 1973), um dos filmes a que Mata-me está invariavelmente conectado, quer seja intencionalmente ou não. Aqui está nossa conversa.   Milos Morpha: Eu não estive na apresentação nem no debate, mas me disseram que você comentou que, para Mate-me por Favor, você teria pego influências do piloto da série Twin Peaks (David Lynch, 1990). Você pode falar um pouco sobre isso? Anita Rocha da Silveira: Pra fazer o filme, eu me inspirei muito em como David Lynch constrói um universo alternativo. A partir do Twin Peaks pensei na Barra da Tijuca como esse universo fechado, que ao mesmo tempo pode ter um toque naturalista, mas também tem espaço para o fantástico. E também gosto muito de como o David Lynch trabalha a questão da sexualidade, das emoções latentes da juventude. E aí, desse modo, acho que tive uma inspiração mais na questão da narrativa do filme, do conceitual, não tanto de decoupagem ou de estética, mas mais como um modo de construir esse universo. MM: E dos slasher movies, teria alguma influência mais forte? Entre amigos até tínhamos construído uma expectativa acerca da primeira cena, pela semelhança estrutural que mantém com Pânico. ARS: Ah, sim. Mas é mais uma homenagem a todos esses filmes. Quando começou a saga de Pânico foi tipo uma comoção na minha vida. Acho que tinha uns nove ou dez anos. Eu nem vi no cinema. Vi depois, na locadora, porque eu não podia ver no cinema, mas eu acho que eu entrei numa fase que eu comecei realmente de gostar de ver filmes como uma experiência. Eu morava num lugar que não tinha TV a cabo, só videolocadora. Acaba que você vê uns slasher movies porque era o que tinha disponível ali. Então, você cresce vendo. E acho que Mata-me por Favor também tem muito de primeiro longa, de você colocar um bando de coisas que você cresceu vendo, uma série de influências. MM: Vi outro curta seu, Os Mortos Vivos, que também gosto bastante, e tem uma coisa em comum entre esses seus dois filmes, que é uma questão de classe unida a uma pulsão por morte, da obsessão por isso. ARS: Todos os meus curtas tratam disso, e eu acho que no longa eu fechei um pouco essa temática. Queria muito tratar dessas questões. Acho que de um lado que ser jovem, parte da adolescência, é esse flerte com a morte, esse desejo de violência, que passa muito pela vontade de estar sempre testando seu corpo, testando seus limites e não tendo na morte alguma oposição à vida, mas a morte como um último estágio de uma série de testes pelos quais você pode passar e também a morte como o amor, que mantém certa ligação com a primeira paixão, com essa entrega do outro. Eu acho que tanto a protagonista de Mata-me por Favor, quando beija a menina, quanto o irmão dela, na sua relação com a outra garota, passam do amor, de certo modo, e se envolvem com a ideia de morte, de uma maneira ou de outra. MM: Lembro de aprender literatura no ensino médio e de quando você chega à poesia simbolista. É uma relação diferente que se estabalece com essa parte da literatura. E seus personagens lembram essa sensação de descoberta, é muito forte isso. ARS: É, o Augusto dos Anjos é obrigatório no colégio. Mas primeiro você passa pelo realismo, por um monte de coisa dentro dele que parece muito distante do seu próprio universo. Aí, quando chega ao simbolismo, descobre umas questões que são mais obviamente atemporais, que vem tratar dessas pulsões, desses desejos, e encontra muito sentido nelas. E também entra, por outro lado, na questão da sensação de ausência divina, de viver pelo agora, porque a partir daqui só vamos apodrecer. Então, quando eu era jovem, tinha essa coisa de as minhas amigas decorarem os poemas de Augusto dos Anjos e recitarem em voz alta, acho que todos os jovens passam por esse reconhecimento em algum momento.