Invocação do Mal 1.5, por Lucas Procópio

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Assim que teve seu nome associado com lucro garantido, o malaio James Wan ganhou uma espécie de carta branca dos estúdios, seja em projetos modestos ou em produções gigantescas de orçamentos estratosféricos, caso de “Velozes Furiosos 7” (2015) e o ainda inédito “Aquaman”. Outro fator que chama a atenção em sua filmografia é que dos 11 longas-metragens em que é creditado como diretor, 7 fazem parte de franquias. Coincidência? O que os produtores perceberam é algo que fica mais óbvio a cada filme, ou seja, que a grande vantagem de Wan é sua capacidade de conexão com o público, de agradá-lo sabendo adicionar mãos de tinta fresca à formulas que mesmo desgastadas ainda se provam eficientes. Afinal, nada é mais satisfatório para as plateias do que suas expectativas serem testadas a torto e a direito, mas, eventualmente presenciarem os cânones serem reestabelecidos. Prova disso são as centenas de milhões de dólares nas bilheterias, e também os 133 minutos de “Invocação do Mal 2”, que não só dão continuidade aos eventos do primeiro filme, lançado em 2013, como também os repete descaradamente. Saem de cena a família Perron e seu casarão rural mal-assombrado em Rhode Island e entra o poltergeist que assola o sobrado no qual a Sra. Hodgson e seus quatro filhos residem, nos subúrbios de Enfield, Londres. E assim como na residência americana, somos presenteados com um longo plano-sequência com o intuito de estabelecer a geografia da decrépita moradia das novas vítimas – não sem antes uma introdução protagonizada pelo casal Warren solucionando um outro caso, da mesma forma que “Invocação do Mal” os apresentava às voltas com a boneca Annabelle. Reforçados pelo desgaste emocional que o abandono do pai provocou na família, os fenômenos sobrenaturais teriam supostamente tido início após Janet, uma das crianças, ter tentado se comunicar com espíritos através de uma tábua Ouija improvisada. A partir daí ela e seus irmãos passam a ser atormentados pelo fantasma do antigo proprietário da casa, descontente com a presença dos novos moradores. Enquanto isso, os Warren também passam por um período difícil, com Lorraine sendo perseguida por visões premonitórias com a participação especial de uma freira sinistra muito parecida com o cantor Marilyn Manson em seus melhores dias. Pareceu familiar? Pois não para por aí. O roteiro escrito a oito mãos reprisa a estrutura narrativa do filme anterior, inclusive respeitando algumas ‘deixas’. Inicialmente intercalando a narrativa entre Estados Unidos e Inglaterra e posteriormente deslocando a ação para um só núcleo a partir da visita dos demonologistas, o pouco que é mudado provém diretamente do caso dito verídico. E é justamente desta suposta veracidade que vem o maior mérito e também o maior deslize desta continuação. Mérito porque Wan flerta com a incerteza da veracidade do caso, assumindo o filme como um relato não só do casal de paranormais, mas também das supostas vítimas, cujos olhares e falas sempre precedem as aparições – em determinada cena, uma personagem aponta para algo fora do alcance da câmera, pergunta o que é aquilo para Lorraine, e somente a partir do momento em que ela direciona seu olhar é que somos ‘autorizados’ a compartilhar seu campo de visão. Sempre que se manifestam, as assombrações são vistas por intermédio humano, justamente no único momento em que um personagem não olha diretamente para a entidade sobrenatural, a câmera de Wan a tira de foco, nos privando de sua evidência visual. Em um dos poucos diálogos inspirados, o roteiro concretiza esta ideia: - “O que você fez quando finalmente encontrou alguém que acreditasse em você?” - “Me casei com ele”. E assim, através do casamento, da religião e de outras instituições de crença compartilhada é que relatos como esse sobrevivem, não necessariamente verídicos, uma vez que são validados por quem os partilha. É, portanto, uma abordagem amadurecida, já que no longa de 2013 a genuinidade das ocorrências demoníacas eram defendidas como questão de honra. Basta lembrar da já famosa sequência em que a assombração bate palmas atrás da Sra. Perron (Lili Taylor), ou mesmo dos dizeres que encerram a trama. Logo, chega a ser irônico que a caracterização visual destas entidades maléficas seja tão cartunesca aqui, chegando ao ponto de uma mistura de stop-motion e CGI ser utilizada para dar vida ao “Crooked Man”, personagem literário criado por Arthur Conan Doyle e saído diretamente de um zootrópio para atormentar o caçula da família. Não por acaso, zootrópios e lanternas mágicas eram utilizados em espetáculos de fantasmagoria no fim do século XVIII, nos quais as ilusões óticas causavam pavor na mesma proporção que fascínio. E é exatamente por esta lógica que operam alguns filmes de horror, esses que atraem multidões aos multiplexes: pagamos o ingresso com o intuito de acreditar que por duas horas nós e aqueles personagens de fato corremos perigo, com direito a sustos e berros reais, mas com a certeza de que as luzes se ascenderão e que estaremos bem, sãos e salvos no mundo real. E não é à toa que em alguns cinemas “Invocação do Mal 2” esteja sendo exibido em salas D-Box, aquelas cujas poltronas vibram e se movem de acordo com os sobressaltos sonoros dos filmes exibidos. Trata-se do passeio de trem-fantasma mais completo e autoconsciente. Ou quase. Afinal, não foi este o motivo pelo qual os produtores colocaram o diretor no comando desta continuação. Obviamente, há um limite imposto para as sutilezas da direção e aí onde o filme derrapa. Por mais interessante que seja a questão da dúvida e dos pontos de vista, os elementos mais grosseiros do original retornam. Ainda se fazem presentes as cartelas com textos sensacionalistas, a montagem caótica, a trilha alarmista, além do já citado roteiro no melhor estilo ‘copy+paste’. Porque no fim das contas, a fórmula deve ser respeitada. Ficam aqui os votos de que o êxito não limite Wan como limitou seu colega M. Night Shyamalan, cujo sucesso gerou uma espécie de obrigatoriedade em repetir com eficiência as reviravoltas e surpresas de seus primeiros filmes, resultando em esgotamento e perda de credibilidade. E ficam também votos de que o Wan seja de fato tão interessante quanto tem sinalizado.  Infelizmente, ainda não são por suas boas ideias que Hollywood tem se entusiasmado por ele.