DONO DA CASA ONDE SE ESCONDEU QUEIROZ

Wassef, advogado do clã Bolsonaro, se torna réu por racismo e injúria racial

"Você é uma macaca! Você come o que te derem!" é uma das frases que teriam sido proferidas por Frederick Wassef contra uma funcionária de uma pizzaria em Brasília

Frederick Wassef e Flávio Bolsonaro.Créditos: Foto: Pedro França/Agência Senado
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O advogado da família Bolsonaro, Frederick Wassef, dono da casa em Atibaia (SP) onde o ex-assessor de Flávio Bolsonaro, Fabrício Queiroz, foi encontrado pela polícia e preso no âmbito da investigação sobre as rachadinhas da família presidencial, se tornou réu pelos crimes de racismo e injúria racial

A 3ª Vara Criminal de Brasília (DF) recebeu nesta quinta-feira (17) denúncia oferecida pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) com base na acusação feita Danielle da Cruz Oliveira, que trabalha em uma unidade da Pizza Hut no Shopping Pier 21, na capital federal. 

Atendente da pizzaria, Danielle registrou Boletim de Ocorrência contra Wassef em novembro de 2020 por, segundo ela, ter sido xingada e ofendida pelo advogado com termos racistas

No Boletim de Ocorrência, ela relatou que Wassef foi até o balcão para reclamar da pizza que havia comido. Ao reclamar, ele teria perguntado à funcionária se também ela havia comido, ao que Danielle teria dito que não. "Você é uma macaca! Você come o que te derem!", teria retrucado Wassef. O amigo da família Bolsonaro ainda teria encerrado a conversa dizendo que "de onde eu venho, serviçais não falam com o cliente".

À polícia, Danielle contou ainda que outros funcionários da Pizza Hut testemunharam as ofensas proferidas pelo advogado. O gerente da unidade, Eduardo Alves dos Santos, inclusive, também prestou depoimento corroborando com a versão da funcionária. Essa não seria a primeira vez que o advogado, frequentador assíduo da pizzaria, teria ofendido a mesma cliente.

O juiz Omar Dantas Lima, ao receber a denúncia, destacou que há "prova da materialidade e indícios" de que Wassef teria cometido racismo e injúria racial. 

O Ministério Público, na peça encaminhada à Justiça, diz que "o comportamento do denunciado reproduz a perversa divisão dos seres humanos em raças, superiores ou inferiores, resultante da crença de que existem raças ou tipos humanos superiores e inferiores". 

Wassef nega as acusações e diz "nunca" chamou alguém de macaco. "Não chamei ninguém de macaco. A funcionária não é negra e mentiu, afirmando que eu a chamei de negra e por isso não queria ser atendido por ela. Foi fazer um boletim de ocorrência três dias após o fato narrado, levou fotógrafo para tirar sua foto na delegacia fazendo o B.O [boletim de ocorrência] e divulgou para a imprensa imediatamente", disse à época do registro da ocorrência. 

Racismo e injúria racial 

Em outubro de 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu um julgamento e decidiu: a injúria racial é um delito equiparável ao crime de racismo e, por isso, é imprescritível.

Tornar a injúria racial um crime imprescritível significa que ele não será submetido a limite de tempo para a punição.

Entende-se por racismo, previsto na Lei nº 7.716/1989, a conduta discriminatória dirigida a um determinado grupo ou coletividade. Segundo o site JusBrasil, geralmente, “refere-se a crimes mais amplos” e envolve uma série de situações como, por exemplo, “recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso às entradas sociais em edifícios públicos ou residenciais e elevadores ou às escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros”.

Já a injúria racial, objeto da análise do STF, está prevista no artigo 140 do Código Penal e envolve a ofensa à dignidade ou o decoro utilizando elementos de raça, cor, etnia, religião, origem ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Geralmente, é associada ao uso de palavras depreciativas.

O julgamento sobre o tema teve início em novembro do ano passado, através do caso específico, que chegou à Corte, de uma mulher de 79 anos, condenada a um ano de prisão em 2013 por proferir ofensas de tom discriminatório contra uma funcionária de um posto de gasolina.

O primeiro voto foi dado ainda no ano passado pelo relator, ministro Edson Fachin, no sentido de equiparar injúria racial a racismo e tornar o crime imprescritível. O julgamento estava parado após pedido de vistas de Alexandre de Moraes, que nesta quinta-feira seguiu o voto de Fachin e afirmou que “somente assim poderemos atenuar esse sentimento de inferiorização que as pessoas racistas querem impor às suas vítimas”.

O Supremo decidiu, portanto, que injúria racial é uma espécie de gênero do crime de racismo.

Silvio Almeida: “Decisão acertada”

À Fórum, o advogado e professor Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, afirmou que a decisão do STF é “acertada”.

“A decisão do STF reafirma a posição do STJ que firmou o entendimento de que a injúria racial é uma modalidade do crime de racismo e portanto não pode estar sujeito aos prazos decadenciais que incidem sobre os crimes contra honra, subordinando-se ao inciso XLII do artigo 5º da Constituição Federal que estabelece que ‘a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível’. A decisão é acertada, sobretudo porque em muitos casos havia a desclassificação do delito de racismo para injúria racial e, neste caso, invariavelmente era reconhecida o decurso de prazo decadencial, o que resultava, na prática, na impunidade do ofensor, uma vez que não não poderia haver condenação neste caso”, declarou.

“Apesar do direito penal ser um instrumento bastante limitado para o enfrentamento do racismo, a decisão do STF foi acertada e com isso será possível que as ofensas de cunho racista tenham o tratamento adequado por parte do sistema de Justiça do Brasil”, completou Almeida.