Oposição venezuelana liderada por Guaidó se divide em duas

Além das fraturas, o envolvimento na invasão mercenária também trouxe consequência para a oposição e abalou o apoio internacional que Guaidó tinha

Juan Guaidó (Reprodução)
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Cercada de escândalos de corrupção, acusações de conspiração, tentativas de golpes de Estado e contratação de mercenários, a oposição venezuelana enfrenta também divisões internas que abalaram suas estruturas.

Os três dos quatro maiores partidos do núcleo que apoia a Juan Guaidó foram divididos ao meio nas últimas semanas. Entre eles está o Primeira Justicia (PJ), o Acción Democrática (AD) e o Un Nuevo Tiempo (UNT). Membros desses partidos entraram com recurso na Justiça pedindo interdição das diretorias que os controlavam até o momento e o Tribunal Superior de Justiça (TSJ) acolheu os recursos.

Também foi autorizada a criação de diretorias provisórias dessas organizações políticas. As três novas diretorias podem utilizar o registro eleitoral dos partidos, assim como fazer uso de seus símbolos e cores em campanhas eleitorais.

O ponto central da discórdia entre os antigos líderes e as atuais diretorias é a participação nas próximas eleições parlamentares que serão realizadas até o final deste ano. O grupo político liderado por Juan Guaidó sinalizou que não concorrerá às eleições parlamentares, pois alega que haverá fraude eleitoral.

Estados Unidos já se afastam do líder opositor venezuelano, Juan Guaidó

De igual maneira existe discordância em relação a nomeação do novo Conselho Nacional Eleitoral (CNE), no dia 12 de junho, que representa o Poder Eleitoral na Venezuela. Os nomes da nova diretoria do CNE foram indicados no marco da mesa de negociação entre o governo e um setor da oposição. Foi o TSJ que recebeu as sugestões de nomes e oficializou a posse dos membros do Poder Eleitoral. Entre os cinco membros, dois nomes são abertamente opositores, dois ex-magistrados e um declaradamente chavista (governista).

A escolha foi bem recebida pelo setor moderado da oposição, sobretudo os partidos de centro-direita, como o partido Movimento para o Socialismo (MAS), que faz oposição ao chavismo. "Pode não ser a entidade ideal ou o que a maioria dos venezuelanos esperava, mas é um avanço baseado nos acordos da Mesa de Diálogo Nacional", disse a vice-presidenta da legenda, Maria Verdeal.

Porém, essa iniciativa não foi o suficiente para convencer os partidos de extrema-direita a participarem da próxima eleição. Guaidó exige a renúncia do presidente Nicolás Maduro como condição principal para uma saída eleitoral.

O que acontece no interior dos partidos?

São quatro os partidos ao em torno da liderança de Juan Guaidó nesse momento: PJ, AD, UNT e Voluntad Popular - este último é o partido pelo qual Guaidó foi eleito. Desse grupo o único partido a não sofrer fraturas na sua estrutura orgânica foi o Voluntad Popular, mas ainda assim teve valiosas perdas. Alguns membros reconhecidos, como os deputados Ramón Flores e Gabriela Arellano, saíram recentemente do partido.

Essa é a segunda grande fratura sofrida oposição venezuelana, que em janeiro deste ano teve dissidência de 40 deputados da Assembleia Nacional. Esse grupo é liderado pelos parlamentares do partido Primeiro Justicia (PJ), José Brito e Luis Parra, atual presidente do Congresso. Esses deputados se afastaram do líder opositor, Juan Guaidó, depois de sucessivos escândalos de corrupção envolvendo membros de sua equipe e deputados próximos ao autoproclamado presidente interino.

O PJ é um dos principais partidos opositores da Venezuela. Nas eleições presidenciais de 2012 e 2013, o candidato opositor vinha das fileiras do Primeiro Justicia. Henrique Capriles, primeiro, perdeu para Hugo Chávez e, depois, para Nicolás Maduro, mas teve ampla votação: uma das mais altas da oposição nos últimos anos. Desde então é um partido que tem conseguido manter certo protagonismo dentro do setor opositor.

A ruptura chegou no momento em que o setor mais moderado desse partido quis desvincular- se das posições mais radicais. Os moderados criticam as sanções dos EUA contra a Venezuela e as ações de violência política apoiadas pelo setor opositor mais radicalizado. Os novos líderes que tomaram o controle do partido defendem que a disputa política deve ser feita nas urnas. Isso é o que argumenta o deputado José Brito, atual líder do PJ. “A maioria da militância do partido quer ir às eleições. As pessoas querem eleições, querem votar. O PJ participará desta e de todas as eleições que vierem. Vamos participar das eleições parlamentares, para governador e prefeito. Se houver presidencial também quando chegar a hora. Vamos construir uma grande força social”, expressou.

As divisões internas se dão justo no momento em que o líder histórico do partido, o deputado Julio Borges, está radicado na Colômbia. Na Venezuela, ele foi acusado de participar de um plano que pretendia assassinar o presidente Maduro com drones, em agosto de 2018. Também é suspeito de atropelar e matar uma criança no condomínio onde morava em Caracas. Um vídeo mostra o momento em que atropelou a criança, que brincava em frente sua casa e fugiu sem prestar socorro. Portanto, é considerado um foragido da Justiça venezuelana.

Já o Ação Democrática é o partido da velha oligarquia venezuelana e um dos mais antigos do país, fundado em 1941. Há 17 anos é liderado pelo deputado Henri Ramos Allup, um dos caciques políticos da oposição venezuelana. Entre os quatro partidos opositores aliados de Guaidó o AD é o menos radical do ponto de vista ideológico, e se posiciona na centro-direita.

A partir de agora será liderado pelo segundo homem na hierarquia do partido, Bernabé Gutiérrez, dirigente nacional há 15 anos. Allup o acusa de traição e de dar um golpe interno. No entanto, a jornalista venezuelana Patrícia Poleo, uma das vozes mais destacadas da oposição, disse que tudo isso pode ser uma grande fachada.

O número 2 do Ação Democrática, Bernabé Gutiérrez

Poleo argumenta que Bernabé Gutiérrez e Ramos Allup compartilharam ao longo dos anos demasiados segredos e negócios a ponto de que uma traição assim seria quase impensável. “Essa poderia ser uma maneira de participar que Allup encontrou de participar das eleições sem ser sancionado pelos Estados Unidos”, destacou a jornalista, radicada em Miami (EUA).

Um dos integrantes do novo CNE é irmão do atual líder do Ação Democrática, trata-se de José Luis Gutiérrez Parra. Porém, Bernabé afirma que a negociação para a indicação de seu irmão foi feita antes do racha e que foi liderada pelo próprio Ramos Allup, em conversas secretas com o ministro de comunicação da Venezuela, Jorge Rodríguez, coordenador da mesa de diálogo entre governo e oposição.

As divergências chegaram também nas fileiras do partido UNT.  O líder mais destacado desse partido é o opositor Manuel Rosales, um dos políticos tradicionais da Venezuela, participou no golpe de 2002, contra o então presidente Hugo Chávez. Chegou a ser preso, mas recebeu indulto do próprio Chávez. Esse é o único partido grande da Venezuela que não nasceu na capital. Sua origem é o estado Zulia, na fronteira com a Colômbia, uma região rica em petróleo.

Um deputado desse partido, Chaim Bucarán, entrou com ação no TSJ para pedir afastamento da antiga diretoria, e assumiu a liderança com o objetivo de participar das próximas eleições. “Nossa militância quer se expressar através do voto", justificou Bucarán.

Apoio internacional declinou

A principal fortaleza da oposição venezuelana é o apoio internacional que recebe de países como os Estados Unidos, o Grupo de Lima (13 países da América Latina) e algumas nações européias. No entanto, a relação entre Juan Guaidó e esses países ficou fragilizada depois que veio à luz as informações sobre a Operação Gedeón, executada por ex-militares venezuelanos e mercenários dos Estados Unidos. Pretendiam sequestrar ou matar o presidente Maduro.

Semana passada o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que não descartava sentar para negociar com Nicolás Maduro. “Eu poderia pensar sobre isso. Maduro gostaria de reunir-se. E eu nunca me oponho às reuniões", disse ao ser indagado sobre o tema pelo site Axios, dos EUA.

Além disso, o ex-assessor de Segurança da Casa Branca, John Bolton, afirma em seu livro, lançado esse mês, que Trump tinha dúvidas se apoiar o líder opositor venezuelano era o melhor caminho. Segundo Bolton, menos de 30h depois de haver reconhecido a Guaidó como “presidente interino”, Trump já estava inseguro sobre essa decisão. “Ele acha que Guaidó é débil, como um menino, por outro lado considera que Maduro é resistente”, disse Bolton. Trump não desmentiu o ex-assessor de Segurança.

Na Europa, também houve mudança de posição, ainda que não publicamente. No último final de semana, o ex-presidente da Espanha, José Luis Rodríguez Zapatero, disse em entrevista à Rádio La Pizarra, da Argentina, que “têm governos que se arrependem de ter reconhecido Juan Guaidó como presidente”. Zapatero atribui essa mudança de posição a participação do líder opositor e outros opositores no planejamento da incursão de mercenários na Venezuela.

Ademais, a Operação Gedeón começa a respingar no governo da Espanha. Isso porque uma reportagem do The Wall Street Journal (WSJ), dos Estados Unidos, diz que o líder do partido Voluntad Popular, Leopoldo López, foi quem planificou essa operação armada.

“Guru da oposição venezuelana liderou planejamento para derrubar a Maduro”, diz o título da reportagem. A questão é que López está exilado dentro na embaixada da Espanha em Caracas, desde abril do ano passado, quando fracassou em um golpe militar também idealizado por ele.

López, padrinho politico de Guaido, planejou operação armada para derrubar Maduro

Segundo o WSJ, Leopoldo López teria buscado pelo menos seis empresas de segurança privada, que seriam contratadas para invadir a Venezuela. “López, mentor político do líder da oposição venezuelana, apoiado pelos EUA, Juan Guaidó, tentou durante meses contratar mercenários para derrubar o presidente Nicolás Maduro, segundo várias pessoas envolvidas no planejamento”, diz o jornal.

Uma espécie de licitação teria sido lançada para empresas de mercenários (segurança privada) e até mesmo uma gigante da segurança privada foi procurada por López. “Eles [López e seus aliados] procuraram uma empresa chamada Blackwater, que tem uma história sombria de incursões no Afeganistão, Iraque e Líbia. Por alguma razão, a Blackwater se recusou a participar dessa operação”. Essa empresa opera com uma espécie de exército de soldados privados e foi contratada pelo governo dos Estados Unidos para atuar em ações armadas no Oriente Médio.

Depois de tudo isso, a oposição se viu afetada e o apoio de líderes políticos estrangeiros em relação a Guaidó está abalado.