BRUMADINHO

Vale mentiu em simulação na mina em Brumadinho, afirma delegado da PF

Tragédia que vitimou 272 pessoas completa cinco anos sem ninguém ter sido responsabilizado

Tragédia em Brumadinho completa cinco anos sem ninguém ter sido responsabilizado.Créditos: Antonio Cruz/Agência Brasil
Escrito en MEIO AMBIENTE el

O delegado da Polícia Federal (PF) Cristiano Campidelli afirmou que a mineradora Vale, responsável pela tragédia de Brumadinho em 2019, mentiu para os moradores da região em simulações feitas antes do rompimento

De acordo com Campidelli, a Vale enganou a população sobre o tempo que elas tinham para caminhar até o ponto de encontro e sobre o funcionamento da sirene, que a mineradora sabia que não estava operando. “A Vale cometeu homicídios e tornou impossível a defesa das vítimas", declarou.

"Em uma simulação, ela conseguiu reunir 99% do seu corpo interno e 83% do corpo externo. Essas pessoas foram orientadas. Foi dito que se a sirene tocasse, elas poderiam caminhar calmamente até o ponto de encontro, por 8, 10, 15 minutos. Mas a Vale sabia que a sirene não funcionava e sabia que essas pessoas teriam menos de um minuto para se autossalvar. Então essas pessoas morreram porque elas foram enganadas. A Vale cometeu homicídios e tornou impossível a defesa das vítimas", disse.

Ex-trabalhadores da Vale confirmaram a simulação realizada em 2018, onde receberam orientações de uma rota de fuga que demandaria de 10 a 15 minutos de deslocamento. A Associação dos Familiares de Vítimas e Atingidos do Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) afirmou que havia plena confiança nos processos de segurança da mineradora.

O delegado ainda citou outras ações da mineradora e afirmou que "a verdade é que a Vale fez muito esforço para matar essas pessoas em Brumadinho". As declarações foram dadas durante um seminário ocorrido nesta segunda-feira (22) na Câmara Municipal de Brumadinho para lembrar os cinco anos da tragédia, nesta quinta-feira (25).

Processo

Desde 2020, tramita na Justiça um processo contra a Vale com base na denúncia do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) através de investigações da Polícia Civil de Minas Gerais. Ao todo, são 16 réus: 11 ligados à Vale e 5 s à Tüv Süd, empresa alemã que assinou a declaração de estabilidade da barragem. 

Já em 2022, o STF determinou a federalização do caso, que passou a correr pelo Ministério Público Federal (MPF). O órgão reiterou a denúncia da MPMG, aceita pela Justiça Federal em janeiro do ano passado. 

As investigações da PF foram as últimas a serem concluídas, tendo sido encerradas em novembro de 2021, com mais três indiciados, totalizando 19. Campidelli explica que quanto mais tempo de investigação, mais informações são encontradas, e por isso o número de indiciados no inquérito da PF é maior. O delegado também afirmou que a apuração reforça as conclusões da Polícia Civil de Minas Gerais e do MPMG.

Apuração

A denúncia apresentada pelo MPMG mostrava que a parceria da Vale e da  Tüv Süd tinha como objetivo omitir a real situação da barragem e permitir que a mineradora continuasse operando na região. 

A investigação da PF expôs que a barragem que se rompeu estava numa lista da Vale classificada como "zona de atenção". Sua situação chegou a ser discutida em um painel internacional com a presença da alta cúpula da mineradora.

Os documentos apreendidos mostravam que a primeira empresa contratada para analisar a estabilidade da barragem calculou que o fator de segurança da estrutura era de 1,09, enquanto o mínimo geralmente exigido é de 1,3. A empresa se negou a assinar o laudo e a Vale contratou a Tüv Süd.

Campidelli afirmou que com fator 1,09, a chance da barragem romper era 20 vezes maior que o máximo tolerável mas que, ainda assim, a Tüv Süd assinou a declaração de estabilidade.

"O fator mínimo de segurança tem que ser 1,3 porque a barragem tem que suportar a carga dela de 100% e 30% a mais. É uma margem que dá segurança, exemplo, se vier uma chuva muito forte, se der um sismo, se passar máquinas pesadas fora de estrada. Quando o fator é de 1,09, significa que ela só aguenta 9% a mais. Qualquer interferência externa é um risco para aquela estrutura", explicou Campidelli.

A PF também apurou que a barragem chegou a balançar em 2018, após perfurações na estrutura. A situação atendia à emergência de nível 10 e deveria ter sido informada aos trabalhadores. No entanto, segundo Campidelli, a Vale inicialmente classificou como nível 6 e depois classificou como nível 3. O delegado reforça que há fartura de provas comprovando todas as ações e omissões da Vale e descrevendo as ações de cada um dos indiciados.

Por fim, Campidelli também criticou a forma como a barragem foi auditada pela Tüv Süd.  "Vou dar um exemplo rápido. Quem tem carteira de habilitação e vai renovar, paga uma taxa e recebe o endereço de uma clínica para fazer o exame. Você não escolhe a clínica que você vai. É órgão de trânsito que determina. Com a mineração precisa ser assim. As empresas pagam uma taxa e a Agência Nacional de Mineração escolhe a empresa que vai auditar. Da forma que foi feito, havia meio que uma prostituição do mercado", disse.

O relatório final, com os nomes dos indiciados, encontra-se em sigilo após cinco anos da tragédia que vitimou 272 pessoas, entre trabalhadores da Vale e moradores da região. Ninguém foi responsabilizado pelo crime ambiental.