Liberalização do comércio e ocupação dos pobres

O processo de abertura comercial e financeira no Brasil ganhou importante expressão desde 1990. Mesmo que não tenha percorrido uma trajetória contínua, não há dúvidas a respeito da ampliação do grau de exposição do país em relação ao mundo.

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O processo de abertura comercial e financeira no Brasil ganhou importante expressão desde 1990. Mesmo que não tenha percorrido uma trajetória contínua, não há dúvidas a respeito da ampliação do grau de exposição do país em relação ao mundo. Por Marcio Pochmann O processo de abertura comercial e financeira no Brasil ganhou importante expressão desde 1990. Mesmo que não tenha percorrido uma trajetória contínua, não há dúvidas a respeito da ampliação do grau de exposição do país em relação ao mundo. Os efeitos decorrentes do reposicionamento do Brasil no comércio mundial logo se manifestaram no mercado de trabalho, especialmente entre os pobres. De maneira geral, a remoção do complexo sistema de proteção tarifária ou não transcorreu simultaneamente à piora da inserção da população pobre no mercado de trabalho. Observou-se a redução da quantidade de pobres no Brasil entre 1989 e 2004, de 54,8 milhões para 52,4 milhões de pessoas e, sobretudo, da taxa de pobreza absoluta de 38% para 29,3% do total da população. Em grande medida, a diminuição da pobreza não se deveu à evolução do mercado de trabalho, mas ao avanço de políticas públicas voltadas a idosos (Previdência e assistência social) e a faixas etárias mais jovens (programas de erradicação do trabalho infantil, Estatuto da Criança e do Adolescente e programas de garantia de renda condicionados à educação e pobreza). Os segmentos que saíram da condição de pobreza foram os inativos (idosos e crianças). Tendo em vista que a condição de ocupação assumiu maior importância na reprodução da pobreza, cabe identificar o movimento de recomposição daqueles segmentos sociais que não tenham alternativa a não ser a inserção no mercado de trabalho. Observa-se ainda o crescimento expressivo do desemprego. Com quase 9 milhões de desempregados em 2005, o Brasil se posicionou entre os três países de maior desemprego absoluto no mundo. Em 1989 era o 13º colocação internacional. Naquela oportunidade, havia menos de 2 milhões de desempregados brasileiros, segundo o IBGE. De outro lado, verifica-se o aumento da situação de precarização dos postos de trabalho. Com isso, a elevação do nível de ocupação foi acompanhada de baixas remunerações, por vezes incapazes de permitir que o ocupado e família alcançassem rendimento acima do nível mínimo de subsistência. Entre os ocupados pobres brasileiros, aumentou a participação dos sem remuneração e autônomos no período. Nesse sentido, o movimento de desestruturação do mercado de trabalho tendeu a tornar menos importante a presença do assalariamento, especialmente com carteira assinada. Mesmo o emprego assalariado com registro formal, que garante proteção social e trabalhista, não permitiu distanciar-se, em sua totalidade, da própria condição do desemprego. Isso porque a parcela majoritária das ocupações não alcança o rendimento acima de dois salários mínimos mensais. No caso dos empregados sem registro formal, as condições e relações de trabalho não apresentaram evidências de melhora. Por exemplo, o aumento real do salário mínimo se mostrou positivo no enfrentamento da pobreza, mas parte disso não foi generalizado aos ocupados informais. Em resumo, a abertura comercial se fez condicionada pela drástica redução dos custos de produção, estimulada pela ausência tanto de um ambiente isonômico de competição interna (altas taxas de juros e câmbio valorizado) como de políticas industrial e comercial ativas, salvo a provocada pela guerra fiscal (renúncia fiscal, subsídios à contratação de mão-de-obra). Assim, os positivos efeitos da liberalização comercial não ocorreram na medida esperada. Pelo contrário, ganhou ênfase uma estrutura produtiva especializada em bens e serviços de baixo custo, decorrente da valorização dos setores de menor valor agregado e conteúdo tecnológico. A forma predominante de ocupação passou a ser a de baixa remuneração. Frente ao contexto de liberalização comercial, observa-se que a exclusão social passou a reunir tanto os segmentos sociais deserdados de uma condição de vida digna como também os trabalhadores submetidos ao desemprego e ocupação de baixa remuneração. Sem o aprendizado do que representou o período recente em termos de liberalização comercial, torna-se mais complexa a adoção de medidas mais efetivas de superação da pobreza absoluta atual.