Entenda o que é a Lei Sharia, defendida pelo Talibã

Desde que retomaram o poder no Afeganistão, líderes do grupo afirmam que vão construir um governo moderado e menos radical que o anterior; parte da população não acredita nisso

Foto: reprodução redes sociais/Youtube
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Desde que o Talibã retomou o poder no Afeganistão no último domingo (15), ao ocupar o palácio presidencial em Cabul, capital do país, algumas questões emergiram nas redes: o destino das mulheres e das pessoas LGBT, e a Lei Sharia, que na interpretação radical feita pelo grupo afegão determina, entre outras coisas, que as mulheres estudem, trabalhem e participem da vida pública e política.

Porém, as primeiras declarações de alguns líderes do grupo à imprensa estrangeira buscaram afastar o temor de um governo teocrático ultrarradical nos moldes de primeira gestão do grupo (1996-2001).

Todavia, o descrédito da população em um possível governo moderado do Talibã parece estar ganhando corpo, pois, nesta quinta-feira (19), o Talibã declarou que o Afeganistão a partir de agora passa a ser o Emirado Islâmico do Afeganistão.

Além disso, em entrevista à CNN EUA, Waheedullah Hashimi, um dos principais comandantes do Talibã, afirmou que, assim como no regime anterior, a Sharia é que vai reger as regras do país e foi enfático ao afirmar que "não há possibilidade de o país adotar a democracia como sistema para escolher os líderes". O Afeganistão será governador por um conselho que vai observar a Sharia, a lei islâmica.

"Não haverá nada como um sistema democrático porque isso não tem nenhuma base no nosso país, nós não vamos discutir qual será o tipo de sistema político que vamos aplicar no Afeganistão porque isso é claro: a lei é sharia, e é isso", declarou Hashimi.

O que é a Lei Sharia?

Em tradução literal, Sharia significa "o caminho claro para a água" e trata-se do sistema jurídico do Islã.

Um conjunto de normas derivados do Corão, que é o livro sagrado do Islã e os muçulmano acreditam que nele está a palavra final de Deus que foi revelada ao profeta Maomé ao longo de vinte e três anos.

Dessa maneira, a sharia enquanto sistema jurídico do islã deriva de falas e condutas do profeta Maomé e jurisprudência das fatwas, que são os pronunciamentos legais de estudiosos do islã.

Com isso, a Sharia deve servir como o livro a guiar os modos de vida para todos os muçulmanos.

Compõem a Sharia orações diárias, jejum, doações para os pobres, e há também normas que atentam para todos os meandros da vida: o cotidiano, direito da família, negócios e finanças.

Todavia, o que estudiosos colocam que, por ser um texto genérico e antigo, é passível das mais variadas interpretações.

Por exemplo, entre os dispositivos presentes na Sharia está que "homens e mulheres precisam se vestir com modéstia". Mas, o que significa se vestir com modéstia?

Neste caso, a questão da vestimenta recai, a partir de interpretações, sobre as mulheres, que devem cobrir, pelo menos, os cabelos.

Além disso, os espaços públicos, no geral, são divididos por gênero.

As punições da Sharia

Como a interpretação das normas presentes na Sharia varia muito é interessante que levemos em conta a primeira gestão do Talibã no Afeganistão e como o texto foi aplicado.

Mas cabe destacar que, a Sharia também rege o Irã, Arábia Saudita e Malásia. Nos dois primeiros países, por exemplo, o adultério e a homossexualidade são considerados "ofensas graves" e podem ser punidos com chibatadas, prisão e, em último caso, a pena de morte. Todavia, pesquisas indicam que a pena de morte para LGBT tem sido cada vez menos aplicada.

Quando o Talibã governou o Afeganistão entre 1996 e 2001, considerou-se que o grupo aplicou a interpretação mais radical e violenta da Sharia.

Foram realizadas execuções públicas, apedrejamentos (neste caso muto comum para homossexuais e mulheres), amputações para roubos e chicotadas.

Homens eram obrigados a deixar a barba crescer e mulheres eram proibidas de estudar, trabalhar e sair sozinhas. Só poderiam ir às ruas com autorização de um homem, geralmente o companheiro.

O escritor e pesquisador Tariq Ali afirma que, apesar de algumas punições estarem presentes no texto da Sharia, elas "não condizem com o mundo contemporâneo" e não faz sentido algum aplicar uma interpretação literal da Sharia em pleno século XXI.

Em entrevista à Fórum, a escritora e jornalista especializada em Afeganistão e Oriente Médio, declarou que, ao conversar recentemente com algumas pessoas do país, escutou delas que não acreditam em um governo moderado do Talibã e que, neste momento, a maioria das mulheres estão com medo de ir às ruas e serem punidas.