POLÍTICA DO ÓDIO

Racismo, machismo e transfobia estão legalizados nas casas legislativas?

A cassação do mandato do vereador Renato Freitas, que nenhum decoro quebrou, revela nova estratégia adotada pela direita para derrubar mandatos pautados pelo feminismo, antirracismo e LGBTs

Racismo, machismo e transfobia estão legalizados nas casas legislativas?.
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A cassação do mandato do vereador Renato Freitas (PT-PR) está dentro de um contexto insólito, mas todo emoldurado no racismo estrutural que marca a formação do Brasil. Por que Freitas foi cassado? No dia 5 de fevereiro ele participou de um ato antirracista Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, que consistiu entrar no espaço e ocupá-lo de maneira pacífica. 

Após a realização do ato, Renato Freitas foi vítima de um vídeo fake onde dava a impressão de que a manifestação, da qual Freitas participou, tinha sido agressiva e desrespeitosa com a igreja em questão. Tal armação foi o suficiente para criar uma onda de ódio racista contra o parlamentar e fazer com que os colegas de casa, mais uma vez, abrissem um processo disciplinar contra Renato.  

Em entrevista à Fórum, Renato Freitas não tergiversou ao resumir o processo do qual foi vítima: “Fui asfixiado e cassado por lutar contra o racismo em Curitiba”. Jovem e militante do movimento negro, o mandato de Freitas se tornou uma referência não apenas em Curitiba, mas passou a ser observado a partir de vários cantos do Brasil. Obviamente, o vereador e seus advogados vão à batalha judicial, mas o caso de Freitas nos traz outras questões que devem ser sublinhadas e que estão diretamente conectadas com o futuro do sistema representativo e democrático do Brasil.  

Ao mesmo tempo que era aberto o processo contra Renato Freitas, a vereadora, também jovem, de esquerda, negra e do movimento feminista, Duda Hidalgo (PT-SP) era vítima de um processo de cassação, o motivo? Uso irregular do carro parlamentar. Assim como Freitas, Hidalgo também foi vítima de várias ofensas racistas por meios eletrônicos. 

E, assim como no caso de Freitas, o processo contra Duda Hidalgo foi tocado com uma série de irregularidades e celeridade jamais vista na Câmara Municipal de Ribeiro Preto. Fato que foi notado pela desembargadora Ana Liarte, da 4ª Câmara do Direito Púbico do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo), que concedeu efeito suspensivo para a vereadora Duda Hidalgo (PT) que suspende a votação do parecer que pede o afastamento por 15 dias da parlamentar. 

Os casos de Duda Hidalgo e Renato Freitas revelam uma estratégia que tem sido adotada pela direita e extrema direita nas Câmaras Municipais e Assembleias Legislativas ao redor do Brasil. Ações orquestradas e embasadas em valores racistas, misóginos e transfóbicos e isso se comprova quando invertemos a história... o que acontece/tem acontecido com parlamentares que agridem verbalmente e, às vezes, ameaçam com agressão física parlamentares mulheres e LGBT? Isso mesmo, nada. 

 

O caso Isa Penna 

 

Em dezembro de 2020, uma câmera de segurança da Alesp flagrou quando o deputado passou a mão no seio da parlamentar no plenário, em um abraço por trás, durante a votação do orçamento do estado para 2021. 

Como resultado do processo, Cury foi suspenso por seis meses. Antes, o plenário estava discutindo a pena branda de 119 dias. Ao todo, 86 deputados votaram.

 


"Vou botar um cabresto em você"

 

Durante discussão em sessão plenária na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) entre a deputada Mônica Seixas (PSOL-SP) e o deputado Wellington Moura (Republicanos), Moura afirmou que colocaria um cabresto "para calar a boca" de Seixas. 

“Quero dizer a ela [Monica Seixas] que ontem, num momento que eu estava presidindo a sessão, ela estava importunando o plenário [...] é o que vossa excelência faz. Sempre. Várias vezes. Mas num momento que eu estiver ali [presidindo a sessão], eu vou sempre colocar um cabresto na sua boca porque não vou permitir que vossa excelência perturbe a ordem”, disse Moura.

Monica Seixas entrou com uma representação na Comissão de Ética, mas a ação foi arquivada. 

 

"Belzebu" 

 

A vereadora por Nieteroi Benny Briolly (PSOL-RJ) é vítima constante de ameaças de morte e ataques racistas e transfóbicos. O ódio contra Briolly transcende fronteiras e se dá, também, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj)

O discurso de ódio partiu do deputado estadual Rodrigo Amorim (PTB-RJ), o mesmo que quebrou a placa de Marielle Franco, que desferiu uma série de ataques transfóbicos contra Benny Briolly. 

“Tem lá em Niterói um 'boi zebu' (sic), que é uma aberração da natureza aquele ser que tá ali. Um vereador homem, pois nasceu com pênis e testículos, portanto é homem. Agora temos uma aberração do alfabeto inteiro designando o que eles chamam de gêneros. Gêneros aleatórios... Que eu sou do tempo que existiam homens, mulheres, bichas e sapatões... Esses soldados do mal, fedendo a enxofre que são (sic), o vereador homem de Niterói parece um belzebu, porque é uma aberração da natureza”, disse Amorim, aos berros.

 

Deputado ameaça Erica Malunguinho 

 

A deputada estadual Erica Malunguinho (PSOL-SP) fez história ao se tornar a primeira mulher trans a se eleger deputada pelo estado de São Paulo. 

Logo no início de seu mandato ela teria de lidar com um ataque e ameaça de agressão física do parlamentar de extrema direita Douglas Garcia (PSL-SP). 

 “Se um homem que se acha mulher entrar no banheiro em que estiver minha mãe ou minha irmã, tiro de lá à tapa e depois chamo a polícia", disse o deputado do partido de Jair Bolsonaro no plenário da Assembleia. Sua declaração foi feita logo após um discurso de Erica em defesa da identidade de gênero em práticas esportivas.

O deputado recebeu apenas uma reprimenda. 

 

O ódio está legalizado nas casas legislativas? 

 

De volta para o começo deste artigo: o que fez Renato Freitas? Duda Hidalgo? Nada, mas o primeiro perdeu o mandato e a segunda sofre até hoje perseguição política. 

O que aconteceu com os deputados da extrema direita que atacaram as suas colegas? Nada, mesmo que haja provas como as gravações das sessões plenárias. 

Este cenário deve servir de alerta para uma estratégia que pode se aprofundar nos próximos anos: nas casas legislativas em que a direita for maioria, ela vai se unir para cassar mandatos de esquerda, principalmente aqueles ligados às pautas antirracistas, feministas e LGBTQIA+. Para tanto, basta alguns discursos mais incisivos, como foi o caso de Renato Freitas e como é, nesse momento, o caso do deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) que corre o risco de ter o seu mandato cassado após uma discussão com Arthur Lira (PP-AL).